A casa poética é interpretável?

11 de maio de 2011 § Deixe um comentário

a casa do bosque


A minha questão hoje é o que faz com que a nossa mente racional se aproxime de uma imagem poética e queira fazer dela o seu trabalho de poder, de saber interpretar, de dar significados psicológicos, de perguntar à imagem poética “o que é que se quer dizer com ela? “
Lembremos que para Barthes (livro Aula), a poesia é linguagem de despoder. Imagem é, não quer dizer, imagem já é o que diz.

A princípio ela se queixava; as piores rajadas a atacaram de todos os lados ao mesmo tempo, com um ódio nítido e tais urros de raiva que, durante alguns momentos, eu tremi de medo. Mas ela resistiu. Quando começou a tempestade, ventos mal–humorados dedicaram–se a atacar o telhado. Tentaram arrancá–lo, partir–lhe os rins, fazê–lo em pedaços, aspirá–lo. Mas ele curvou o dorso e agarrou–se ao velho vigamento. Então outros ventos vieram e, arremessando–se rente ao solo, arremeteram contra as muralhas. Tudo se vergou contra o choque impetuoso; mas a casa, flexível, tendo–se curvado, resistiu à fera. Sem dúvida ela se prendia ao solo da ilha por raízes inquebrantáveis, e por isso suas finas paredes de pau–a–pique e madeira tinham uma força sobrenatural. Por mais que atacassem as janelas e as portas, pronunciassem ameaças colossais ou trombeteassem na chaminé, o ser agora humano em que eu abrigava meu corpo nada cedeu à tempestade. A casa apertou–se contra mim, como uma loba, e por momentos senti seu cheiro descer maternalmente até o meu coração. Naquela noite ela foi realmente a minha mãe. (Bosco, citado por Bachelard, 1957, p. 61)

Muitas vezes Bachelard expõe uma visão crítica em relação a interpretações que traduzem imagens poéticas em significados psicológicos. Temos um exemplo da crítica bachelardiana às análises de teor psicológico a propósito das imagens poéticas produzidas por Milosz e por Bosco (Bachelard, 1957, p. 61). O trecho diz: “um psicólogo positivo reduziria imediatamente a linguagem carregada de imagens à realidade psicológica do medo de um homem murado em sua solidão, longe de qualquer ajuda humana. Mas a fenomenologia da imaginação não pode se contentar com uma redução que transforma as imagens em meios subalternos de expressão: a fenomenologia da imaginação exige que vivamos diretamente as imagens, que as consideremos como acontecimentos súbitos da vida. Quando a imagem é nova, o mundo é novo” (Bachelard, 1957, p. 63)

“A volta à terra natal, o regresso à casa natal, com todo o onirismo que o dinamiza, foi caracterizado pela psicanálise clássica como uma volta à mãe. Essa explicação, por mais legítima que seja, é no entanto demasiado grosseira, apega–se precipitadamente a uma interpretação global, apaga muitas nuanças que devem esclarecer detalhadamente uma psicologia do inconsciente. Seria interessante apreender bem todas as imagens do regaço materno e examinar o pormenor de substituição de imagens. Veríamos então que a casa tem seus próprios símbolos, e se desenvolvêssemos toda a simbólica diferenciada do porão, do sótão, da cozinha, dos corredores, do depósito de lenha…., perceberíamos a autonomia dos diferentes símbolos, veríamos que a casa constrói ativamente seus valores, que reúne valores inconscientes. O próprio inconsciente tem uma arquitetura de sua predileção (Bachelard, 1948, pp. 93–94)

A imagem percebida e a imagem criada são duas instâncias psíquicas muito diversas e seria necessária uma palavra especial para designar a imagem imaginada. Tudo o que é dito nos manuais sobre a imaginação reprodutora deve ser creditado à percepção e à memória. A imaginação criadora tem funções completamente diferentes da imaginação reprodutora. A ela pertence essa função do irreal que é psiquicamente tão útil quanto a função do real, freqüentemente evocada pelos psicólogos para caracterizar a adaptação de um espírito à realidade etiquetada por valores sociais. Essa função do irreal reencontra valores de solidão. (Bachelard, citado por Pessanha (Pessanha, 1988, p. 153)),

cenas vividas na casa: “Digo minha Mãe. E é em ti que penso, ó Casa! / Casa dos belos estios obscuros de minha infância” (Milosz, citado por Bachelard, 1957, p. 61).

Bachelard  nos lembra dos braços acolhedores pertencentes a casa: “Casa, aba da pradaria, / ó luz da tarde, / De súbito adquires uma face quase humana. / Estás perto de nós, abraçando, abraçados” (Rilke, citado por Bachelard, 1957, p. 27)

Para analisar o nosso ser na hierarquia de uma ontologia, para psicanalisar o nosso inconsciente enterrado em moradas primitivas, é preciso, à margem da psicanálise normal, dessocializar nossas grandes lembranças e atingir o plano dos devaneios que vivenciávamos nos espaços de nossas solidões.

A imagem percebida e a imagem criada são duas instâncias psíquicas muito diversas e seria necessária uma palavra especial para designar a imagem imaginada. Tudo o que é dito nos manuais sobre a imaginação reprodutora deve ser creditado à percepção e à memória.
A ela pertence essa função do irreal que é psiquicamente tão útil quanto a função do real, freqüentemente evocada pelos psicólogos para caracterizar a adaptação de um espírito à realidade etiquetada por valores sociais. Essa função do irreal reencontra valores de solidão. (Bachelard, citado por Pessanha (Pessanha, 1988, p. 153)),

Pessanha, J. A. M. (1988). Bachelard e Monet: o olho e a mão. In A. Novaes (org), O olhar (pp. 149–165). São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

Bachelard, G. (1948). A terra e os devaneios do repouso. São Paulo: Martins Fontes, 1990.

Bachelard, G. (1957). A poética do espaço. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

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